Produtividade: o sonho de qualquer economista e a obsessão de executivos ao redor do mundo. Empresas buscam constantemente o elixir que transforme esforços medianos em resultados extraordinários. Nos últimos anos, diversas tecnologias tais como RPA (Robotic Process Automation) e IA (Inteligência Artificial) têm sido aclamados como as ferramentas definitivas para isso. Mas aqui vai a provocação: será que essas tecnologias realmente mudam o jogo ou apenas entregam ganhos marginais que nos distraem dos verdadeiros “game changers”?
Antes que você feche este artigo, achando que isso é mais um manifesto tecnofóbico, saiba que plataformas como ERP, CRM, MES, RPA e IA são poderosas e podem trazer aumentos reais de produtividade. Mas precisamos parar de confundi-las com revoluções. Os dados não mentem, mas talvez nos enganem no contexto errado.
O que os números dizem?
O OECD Compendium of Productivity Indicators 2024 revela um cenário de grandes disparidades globais em produtividade. Países como Irlanda, Suíça e Alemanha lideram o ranking com altos níveis de produtividade por hora trabalhada, refletindo economias avançadas, alta qualificação da força de trabalho e investimentos consistentes em tecnologia e infraestrutura. Além disso, países asiáticos como Coreia do Sul e Singapura destacam-se entre os que mais evoluíram, graças a estratégias robustas de modernização industrial e educação tecnológica. Esses países transformaram políticas públicas em motores de inovação e eficiência, conectando tecnologia a estruturas econômicas sólidas e alinhadas com os desafios globais.
No caso do Brasil, o país permanece abaixo da média da OCDE em produtividade, enfrentando desafios históricos como baixa qualificação da mão de obra, informalidade elevada e uma infraestrutura deficiente. Mesmo com avanços pontuais em digitalização e automação em setores específicos, o impacto permanece limitado devido a entraves estruturais. A falta de políticas públicas integradas para modernizar o ambiente de negócios e promover inovação sustentável também contribui para o desempenho inferior. O Brasil precisa investir em educação técnica, fortalecer sua infraestrutura física e digital e criar incentivos para a inovação, para sair da estagnação e aproximar-se das economias mais produtivas.
Outro ponto importante levantado pelo relatório é que os ganhos de produtividade derivados de tecnologias como RPA e IA são mais visíveis em países com economias mais maduras e infraestrutura digital robusta. Nesses contextos, os sistemas de automação aumentam a eficiência de setores já bem estruturados. Em economias emergentes, no entanto, esses mesmos sistemas enfrentam barreiras institucionais e estruturais que limitam seu impacto. Ou seja, tecnologias modernas precisam de uma base sólida para maximizar seu potencial.
Finalmente, o documento destaca que a produtividade a nível nacional depende da interação entre vários fatores: políticas públicas que incentivem inovação, investimento em capital humano e a adoção de práticas empresariais modernas. A transformação sustentável exige mais do que a implementação de ferramentas digitais; ela requer uma mudança sistêmica na maneira como economias inteiras operam e crescem. O relatório reforça o papel central de estratégias integradas para impulsionar a produtividade em vez de depender apenas de soluções tecnológicas pontuais.
O que realmente muda o jogo?
Se quisermos mudar o jogo no nível macro, precisamos de algo muito mais profundo. Eis o que realmente separa países e empresas que prosperam daquelas que apenas tentam sobreviver:
1. Educação de alta qualidade: Automação sem pessoas qualificadas para operar, aprimorar e reinventá-la é como comprar uma Ferrari para um piloto que nunca saiu do kart.
2. Infraestrutura robusta: Você pode ter o melhor ERP do mercado, mas se os seus produtos levam dias para chegar ao cliente por causa de estradas ruins, sua competitividade continuará no chão.
3. Cultura de inovação: IA e RPA brilham em empresas que desafiam o status quo. Em outras, são apenas ferramentas subutilizadas.
4. Transformação estrutural: Não adianta empilhar tecnologias em um sistema que precisa de reforma. Subir uma casa em um terreno instável é receita para o fracasso.
Por que gostamos de superestimar RPA e IA?
Talvez porque a ideia de uma solução rápida e tecnológica seja irresistível. Implementar um ERP ou uma solução de IA parece mais simples (e sexy) do que resolver problemas de logística, educação e inovação cultural. É como buscar atalhos: eles podem te levar mais rápido ao destino, mas só se você já estiver no caminho certo.
RPA e IA não mudam o jogo sozinhos, mas nos ajudam a jogar melhor. O jogo em si, no entanto, é ganho com as bases certas: capital humano qualificado, estruturas sólidas e visão estratégica. Antes de apostar todas as fichas na próxima grande tecnologia, pergunte-se: estamos jogando o jogo certo ou apenas usando ferramentas de última geração para otimizar sistemas que já nasceram quebrados?
O Lean Thinking desempenha um papel crucial na discussão sobre produtividade nacional e empresarial, mas muitas vezes é mal interpretado. Apesar de sua origem na manufatura, os princípios Lean transcendem fábricas e se aplicam a qualquer setor que busque eficiência sustentável. A ideia central não é produzir menos, mas produzir apenas o necessário, com qualidade e eficiência, reduzindo desperdícios ao longo de todo o sistema. Essa abordagem desafia a lógica tradicional de “mais produção é sempre melhor”, que frequentemente gera estoques excessivos, ineficiência e desperdício de recursos.
O conceito de sistemas puxados, por exemplo, é uma verdadeira revolução na forma de operar. Em vez de produzir com base em previsões incertas ou pressões de volume, o sistema puxado sincroniza a produção com a demanda real. Isso resulta em menor necessidade de estoque, fluxo mais eficiente e maior capacidade de resposta ao mercado. No contexto de um país, aplicar o Lean Thinking significa alinhar recursos, políticas e processos àquilo que realmente gera valor – seja na infraestrutura, educação ou inovação. É uma mentalidade que prioriza a eliminação de gargalos sistêmicos e coloca o cliente, ou cidadão, no centro da estratégia. Em um mundo cada vez mais automatizado, o Lean continua sendo o alicerce para que tecnologias como RPA e IA entreguem valor real e sustentável.
Afinal, produtividade não é apenas fazer mais com menos. É sobre fazer melhor e pensar maior. Vamos mudar o jogo? Ou ficaremos presos nos ganhos marginais?