O setor de serviços responde por mais de 70% do PIB brasileiro e emprega a maior parte da força de trabalho formal. Apesar dessa relevância, ainda é comum encontrar organizações que operam com processos pouco estruturados, fluxos de informação confusos e baixa padronização. Diferente da indústria, onde a gestão da rotina é consolidada, os serviços frequentemente tratam problemas de eficiência de maneira pontual, sem disciplina metodológica. Nesse cenário, o Lean Thinking aplicado a serviços (Lean Services) surge como um caminho indispensável para gerar valor ao cliente e eliminar desperdícios que muitas vezes ficam invisíveis no cotidiano.
A aplicação do Lean Thinking em serviços difere da manufatura porque os fluxos não envolvem materiais ou peças, mas sim informações, atendimentos e interações humanas. Os desperdícios, portanto, aparecem em retrabalhos, esperas, comunicações mal estruturadas e processos redundantes. A grande dificuldade é justamente acompanhar e enxergar esses fluxos intangíveis, já que não há estoques físicos ou máquinas paradas para denunciar problemas. Daí a importância de mapear fluxos de valor de ponta a ponta e torná-los visíveis por meio de indicadores, gestão visual e rotinas de acompanhamento.
É nesse contexto que o Kaizen ganha destaque. Mais do que um evento de melhoria, o Kaizen é uma prática social, uma oportunidade de colocar pessoas de diferentes áreas em um mesmo espaço para discutir problemas concretos e construir soluções coletivas. Essa interação direta é essencial nos serviços, onde os gargalos geralmente surgem nas interfaces entre setores de atendimento ao cliente, backoffice, TI e processos de suporte. Sem o diálogo estruturado, cada área enxerga apenas sua parte, sem compreender o impacto do fluxo total.
No entanto, um ponto que tenho percebido nas iniciativas de Kaizen conduzidas por empresas de serviços como Porto, BV e CVP, entre outras, é que algumas delas vêm desvirtuando o conceito original em função da alta demanda de trabalho e da pouca disponibilidade de tempo de colaboradores e gestores.
Chamam a iniciativa de Kaizen, fazem encontros de 3 a 5 dias em várias semanas (de 3 a 5), mas no final não implementam as melhorias, gerando planos de ação que se arrastam por meses.
Esse fenômeno tem raízes em uma flexibilização excessiva do modelo; muitas vezes por escolherem escopos grandes demais, que não poderiam ser concluídos em até 30 dias após o workshop. O resultado é que o Kaizen perde seu poder transformador, convertendo-se em um ciclo de planejamento prolongado em vez de um ciclo rápido de aprendizado e execução.
Por isso, é importante relembrar o princípio original: Kaizen significa “melhorar agora”, com foco em ação imediata e resultados visíveis em curto prazo. Em serviços, onde o fluxo é intangível e o ritmo das operações é alto, manter o caráter dinâmico e implementável da metodologia é essencial para preservar sua efetividade.
Outro ponto é que o Kaizen em serviços deve ser, sempre que possível, presencial. O encontro físico cria espaço para consenso, negociação e construção conjunta. Post-its no quadro, discussões em torno de um mapeamento de fluxo ou de um diagrama de causa e efeito têm um poder simbólico e prático: alinham percepções e aceleram a tomada de decisão. Embora ferramentas digitais possam apoiar, a prática social do Kaizen depende do contato humano para criar engajamento, confiança e senso de propósito coletivo.
Os ganhos são significativos. Empresas de call center que aplicaram Kaizen reduziram em até 30% o tempo médio de atendimento ao cliente. Bancos que mapearam fluxos de aprovação de crédito eliminaram redundâncias e conseguiram encurtar em dias o prazo de liberação. Hospitais que aplicaram Kaizen em seus processos administrativos liberaram horas de profissionais para dedicar mais tempo à assistência. Ou seja, o impacto é direto tanto em eficiência interna quanto na experiência do cliente.
Além disso, o Kaizen cria uma cultura de melhoria contínua. Em serviços, onde o trabalho é dinâmico e as demandas variam com rapidez, é fundamental ter equipes treinadas para identificar problemas e agir imediatamente. A prática recorrente de Kaizens gera maturidade organizacional: os colaboradores deixam de esperar por grandes projetos e passam a resolver problemas de forma estruturada e frequente, sem perder a visão de valor ao cliente.
Em síntese, as empresas de serviço deveriam fazer mais Kaizen, porque o desafio maior não é a tecnologia, mas o alinhamento social em torno dos fluxos de informação e atendimento. O Lean Thinking para serviços oferece o método, mas é no Kaizen que a filosofia ganha vida, aproximando pessoas, criando consenso e tornando tangíveis os fluxos intangíveis. Kaizen é prática de gestão, prática social e prática de cultura. Em serviços, mais do que em qualquer outro setor, isso deveria ser rotina.