Nos últimos anos, a segurança da aviação tem sido um tema recorrente em manchetes, especialmente quando tragédias aéreas ganham destaque midiático. Mas será que realmente estamos vivendo um aumento significativo nos acidentes e fatalidades na aviação? Para responder a essa pergunta, é fundamental adotar uma abordagem estatística, livre de percepções distorcidas, e refletir sobre como o viés de confirmação pode influenciar nossa interpretação dos dados.
Analisando os números: O que dizem as estatísticas?
Ao examinarmos os dados sobre acidentes e fatalidades na aviação civil brasileira dos últimos 10 anos, incluindo o ano de 2025 até fevereiro (projetado para o ano completo), observamos algumas oscilações relevantes. O ano de 2024, por exemplo, destacou-se negativamente, registrando 175 acidentes e 152 fatalidades, números significativamente acima da média histórica. Esse aumento pontual chamou a atenção e levantou preocupações sobre a segurança aérea.
Contudo, ao analisarmos os dados de 2025, mesmo após ajustar os números parciais (janeiro e fevereiro)
Para uma projeção anualizada, os resultados sugerem que o ano atual segue dentro dos padrões históricos de variação. As cartas de controle estatístico (CEP) tipo P (proporção de fatalidades por acidente) e NP (número absoluto de fatalidades) mostram que 2025 não apresenta indícios de aumento anormal em relação ao histórico. Os dados projetados permanecem dentro dos limites de controle, sugerindo estabilidade após o pico observado em 2024.

Escolhendo a Carta de Controle
A carta NP é uma ferramenta estatística essencial no controle de processos quando se trabalha com dados de contagem, como o número absoluto de eventos em um período específico. No contexto da análise de acidentes aéreos, a carta NP é usada para monitorar o número total de fatalidades ao longo do tempo, permitindo identificar variações significativas em relação ao padrão histórico. Diferente da carta P, que analisa proporções, a carta NP foca no volume bruto de ocorrências, facilitando a visualização de aumentos ou quedas no total de fatalidades, independentemente do número de acidentes registrados em cada ano. Isso é crucial para entender se há uma tendência real de aumento no número de mortes ou se as variações estão dentro dos limites normais do processo.
Outro motivo relevante para o uso da carta NP é sua capacidade de detectar outliers em termos absolutos, oferecendo uma visão clara dos períodos em que o número de fatalidades ultrapassa os limites de controle. Esse recurso é especialmente útil em análises de segurança, onde picos significativos no número de vítimas podem indicar problemas críticos que exigem investigação imediata. A carta NP também permite comparar anos com diferentes volumes de acidentes sem distorcer a interpretação dos dados, destacando anos atípicos que fogem do padrão estatístico esperado, como foi observado no ano de 2024.
O papel do viés de confirmação
Mesmo com os dados estatísticos apontando para uma normalização em 2025, a percepção pública pode continuar alarmada. Isso ocorre, em grande parte, devido ao viés de confirmação — um fenômeno cognitivo em que buscamos e interpretamos informações de forma a confirmar nossas crenças pré-existentes, ignorando ou desvalorizando evidências que as contradizem.
Se um indivíduo acredita que a aviação está se tornando mais perigosa, ele tenderá a prestar mais atenção às notícias de acidentes e fatalidades, enquanto desconsidera os períodos de estabilidade ou redução nos números. O viés de confirmação amplifica eventos isolados, como o aumento registrado em 2024, levando à falsa impressão de uma tendência crescente e contínua de riscos.
Esse fenômeno é amplificado pela mídia, que, por sua natureza, destaca eventos impactantes e excepcionais, como grandes acidentes aéreos. Isso cria um ciclo em que a exposição contínua a informações negativas reforça a percepção de aumento de riscos, mesmo quando os dados não sustentam tal conclusão.
Por que é importante confiar nos dados?
A segurança na aviação é um campo altamente regulamentado e monitorado. Pequenas variações nos números são esperadas ao longo dos anos, mas é fundamental diferenciar entre flutuações normais e tendências preocupantes. O uso de ferramentas estatísticas, como cartas de controle, permite essa diferenciação ao identificar desvios significativos que exigem investigação ou intervenção.
No caso atual, o pico observado em 2024 foi um evento fora da curva, mas os dados de 2025 não sustentam a ideia de uma tendência contínua de aumento em acidentes e fatalidades. A compreensão correta dessas informações é vital para evitar decisões precipitadas, como mudanças drásticas em regulamentações baseadas em percepções distorcidas.
Conclusão: Dados versus percepção
A análise estatística dos últimos anos revela que, embora 2024 tenha sido um ano atípico e preocupante para a aviação brasileira, os dados de 2025 apontam para uma retomada dos padrões históricos, sem evidências de um aumento contínuo em acidentes e fatalidades.
Entretanto, o impacto emocional de grandes acidentes, aliado ao viés de confirmação, pode distorcer nossa percepção da realidade. Para avaliar questões críticas como a segurança aérea, é essencial adotar uma perspectiva baseada em dados concretos, reconhecendo nossos próprios vieses e buscando uma compreensão mais objetiva dos fatos.
Em tempos em que a informação circula rapidamente e as percepções podem ser facilmente manipuladas, confiar na análise estatística e estar atento aos vieses cognitivos é um passo fundamental para formar opiniões embasadas e tomar decisões responsáveis.
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