“O Lean Six Sigma não falha por falta de método. Ele falha por não ser seguido com disciplina.”
A etapa Definir do ciclo DMAIC é frequentemente negligenciada, tratada como um simples ritual de início de projeto. Mas, na prática, a ausência de uma definição robusta compromete todo o restante. Sem clareza sobre o problema, os dados analisados podem ser irrelevantes, as causas mal investigadas e as soluções ineficazes. E mais grave: o projeto pode não fazer sentido algum.
Estudos mostram que até 70% dos projetos que fracassam têm origem em uma má definição inicial – seja por escopo turvo, objetivos desalinhados com a estratégia ou ausência de patrocínio real. O resultado é desperdício de tempo, energia e credibilidade. E quando isso acontece, o método passa a ser desacreditado, quando na verdade, o erro foi não aplicá-lo corretamente desde o começo.
A Fase “D” Virou Burocracia
Em um mundo de dashboards em tempo real, squads ágeis e IA generativa, o “D” tem sido reduzido a um slide bonito ou uma checklist protocolar. E então… o projeto começa. Só que começa errado.
O “D” é justamente o momento em que respondemos: Por que este projeto precisa existir?
É a ponte entre o método e a estratégia. É ali que se alinha o problema com a dor real do negócio, se define o impacto esperado e se garante o engajamento das partes certas. Todas as demais fases — Medir, Analisar, Melhorar e Controlar — podem ser bem executadas, mas se forem aplicadas sobre um problema mal definido, se tornam esforço desperdiçado.
Sem o “D”, o DMAIC vira execução sem direção.
Por que Negligenciamos o “D”?
Negligenciamos porque subestimamos o custo de não pensar. Porque confundimos agilidade com pressa. Porque priorizamos ação sobre compreensão.
Segundo o PMI, 37% dos projetos falham por falta de alinhamento com os objetivos do negócio. No Lean Six Sigma, isso se traduz em projetos iniciados por achismos ou porque “temos dados”, mas sem validação com quem sente a dor. O resultado? Projetos órfãos, sem impacto e sem dono.
Principais Desafios da Fase “Definir”
1. Pressa por entregas visíveis
Projetos são pressionados a mostrar resultado na primeira semana. Mas o “D” exige escuta, análise e contexto — nada disso gera gráficos de impacto imediato.
➡️ Exemplo: o projeto começa na segunda e na sexta já pedem plano de ação. O Belt improvisa hipóteses antes mesmo de validar o problema.
2. Cultura de solução antes da análise (solucionite aguda)
Resolver virou sinônimo de agir, mesmo sem entender. O “D” vira um pretexto para acelerar o “fazer”, não um espaço de reflexão.
➡️ Exemplo: o gestor vê uma queda no indicador e já pede ação corretiva. O Belt atua sem falar com quem vive o processo e entrega uma solução paliativa.
3. Dificuldade de envolvimento das partes interessadas
O “D” exige alinhamento com sponsor, donos do processo e clientes internos. Mas envolver essas pessoas demanda agenda, influência e paciência — três coisas escassas.
➡️ Exemplo: o Belt define o projeto com base em relatórios. Quando precisa implementar melhorias, encontra resistência total.
4. Falta de clareza estratégica
Sem um portfólio de problemas priorizado ou metas claras, qualquer coisa vira projeto. E quando tudo é prioridade, nada é.
➡️ Exemplo: gasta-se energia otimizando 2% de perda em um processo secundário, enquanto falhas críticas seguem intocadas.
5. Pouca valorização do Gemba
Muitos Belts definem problemas de trás da tela, sem ver o processo real. Mas é no Gemba que as dores se revelam — não nos dashboards.
➡️ Exemplo: o relatório aponta atraso na expedição. Só no Gemba se percebe que o gargalo é na liberação de notas fiscais, e não na logística.
6. Falta de capacitação e coaching
Saber o ciclo DMAIC é diferente de saber conduzir um bom “D”. Isso exige prática, escuta ativa, negociação, priorização e liderança.
➡️ Exemplo: o Belt reutiliza um charter antigo e muda os nomes. O projeto segue sem clareza e morre sem entrega.
Outros Erros Críticos do “D”
Escopo turvo = entregável nebuloso
“Reduzir retrabalho da área X” parece um bom objetivo, até alguém perguntar: que retrabalho? de que processo? causado por quê? Sem respostas, o projeto vira uma colcha de retalhos.
Causa comum ou especial?
Sem analisar a estabilidade do processo, trata-se variação natural como falha. Resultado: soluções que não resolvem. Como dizia Deming: “Não se gerencia o que não se entende.”
Falta de papéis, donos e comunicação
Sem RACI, o Belt atua sozinho, o sponsor desaparece, e o time não sabe por que está envolvido. Resultado: projeto sem dono, sem pauta e sem resultado.
Comunicação ineficaz = projeto invisível
Não basta informar, é preciso engajar. Sem um plano de comunicação estruturado, o projeto perde apoio e adesão.
O Paradoxo da Pressa
Pulamos o “D” para sermos ágeis, mas isso retarda ou inviabiliza todo o restante. Investigamos causas erradas, trabalhamos com dados irrelevantes e implementamos soluções que ninguém adota.
O Belt deixa de ser um agente de transformação para se tornar um colecionador de evidências do fracasso.
O Que Fazer?
✅ 1. Alinhe expectativas desde o início Mostre que um bom “D” evita retrabalho e aumenta o sucesso do projeto.
✅ 2. Valorize entregas intermediárias no “D” Mapeamento de stakeholders, plano de comunicação, escopo validado — tudo isso é entrega real.
✅ 3. Use critérios claros de priorização GUT, ICE Score, matriz de impacto. Priorize com método, não com intuição.
✅ 4. Faça Gemba Walks obrigatórios Nenhum problema deve ser definido sem observar o processo em ação.
✅ 5. Envolva os stakeholders no início Entrevistas, alinhamentos 1:1, coautoria no escopo. Projeto bom é projeto compartilhado.
✅ 6. Use ferramentas visuais e participativas SIPOC, CTQ Tree, VOC. Visualizar o problema ajuda a alinhá-lo com todos.
✅ 7. Estabeleça um plano de comunicação claro Comunique o valor, o progresso e o impacto do projeto com cadência e propósito.
✅ 8. Formalize papéis com RACI Defina quem decide, quem executa, quem apoia e quem precisa ser informado.
✅ 9. Conecte o projeto à estratégia da empresa Mostre como o projeto afeta KPIs, metas e clientes. Isso gera patrocínio real.
✅ 10. Ofereça coaching na fase D Belts precisam de orientação prática. Um bom “D” raramente nasce sozinho.
“Sem o “D”, o DMAIC deixa de ter uma estrutura de projeto.
Em um cenário cada vez mais orientado à velocidade, não podemos confundir agilidade com atropelo. A fase Definir do DMAIC é, antes de tudo, um exercício estratégico de foco, alinhamento e intenção. Ignorá-la ou tratá-la como burocracia é condenar o projeto a resolver problemas que não importam, com soluções que não transformam. Projetos de melhoria não existem para preencher slides, mas para gerar impacto real e mensurável. E esse impacto começa, obrigatoriamente, com a clareza sobre o que deve ser resolvido, por quê, por quem e para quem. Voltar ao básico, com profundidade, é o movimento mais sofisticado que um Belt pode fazer. Porque no fim, não é o método que falha — somos nós que deixamos de segui-lo como ele exige ser seguido.