Nos últimos anos, o papel dos Black Belts em Lean Seis Sigma evoluiu significativamente. O foco, que antes estava na estatística e na análise de dados, passou a incluir aspectos de negócios, gestão e mentoria. Isso aconteceu porque a prática do Lean Seis Sigma foi se tornando cada vez mais integrada à estratégia empresarial, e os profissionais tiveram que desenvolver novas habilidades para influenciar decisores e conduzir projetos de alto impacto. No entanto, essa evolução teve um efeito colateral: muitos Black Belts deixaram a estatística (ou melhor, a execução e análise dos dados e do projeto) em segundo plano. E isso precisa mudar.
O paradoxo da era dos dados
Hoje, vivemos na era do Big Data e da Inteligência Artificial. Dados não são mais um problema: existem em abundância. O verdadeiro desafio está em interpretá-los corretamente para extrair insights valiosos. E isso exige uma base estatística sólida. Sem um conhecimento profundo de estatística, correlação pode ser confundida com causalidade, outliers podem ser ignorados ou mal interpretados, e os modelos podem ser aplicados de maneira inadequada, levando a decisões erradas.
Retornando às raízes estatísticas
Os Black Belts são, por definição, especialistas em estatística aplicada e seu papel fundamental é conduzir (executar efetivamente) projetos de alta complexidade. O Seis Sigma sempre se baseou em técnicas estatísticas avançadas para reduzir a variabilidade e melhorar processos. No entanto, muitos profissionais estão cada vez mais distantes da execução prática dos projetos desde a parte de coleta de dados até a modelagem estatística, focando apenas em gestão e governança.
Isso é um problema porque faltam especialistas com domínio técnico para análises mais aprofundadas. Pessoas com conhecimento de técnicas mais avançadas permitem criar modelos mais precisos e preditivos. Quem não acompanha essa evolução pode acabar aplicando métodos obsoletos em um contexto de alta complexidade o que gera por consequência projetos com análises superficiais ou insuficientes em muitos dos casos.
O que os Black Belts precisam reaprender (e aprender)
A estatística moderna incorporou novas ferramentas que permitem uma melhor compreensão de padrões, relações entre variáveis e predições mais assertivas. Algumas das principais técnicas recentes que um Black Belt deve dominar incluem:
- CART (Classification and Regression Trees): Algoritmo de árvore de decisão usado para classificação e regressão, permitindo divisões não lineares e maior capacidade de interpretação dos dados.
- Random Forest: Conjunto de múltiplas árvores de decisão para reduzir o risco de overfitting e aumentar a precisão da previsão.
- TreeNet: Uma abordagem de boosting que melhora a precisão dos modelos preditivos.
- MARS (Multivariate Adaptive Regression Splines): Técnica que permite modelagem não linear de relações complexas entre variáveis.
Essas ferramentas vão além das técnicas estatísticas tradicionais como regressão linear, ANOVA e DOE. Elas possibilitam uma análise mais profunda e confiável, ajudando os Black Belts a extrair mais valor dos dados.
O impacto na tomada de decisão
Para realmente dominar a estatística e aplicá-la de forma eficaz, os Black Belts precisam sair da gestão e da governança e se reconectar com a entrega de valor e os resultados concretos das análises e dos projetos. A melhor forma de fazer isso é voltar ao Gemba, ao local onde os processos acontecem de fato. A estatística aplicada não pode ser um exercício acadêmico ou teórico: precisa estar diretamente ligada à identificação e resolução de problemas reais, com impacto mensurável na organização. Ao se aprofundarem novamente na estatística e nos modelos avançados, os Black Belts podem garantir que suas recomendações e decisões sejam baseadas em evidências sólidas, agregando mais valor ao negócio.
Isso não significa, no entanto, que todos os projetos exijam um nível avançado de modelagem estatística. Não se trata de um fetiche corporativo ou de priorizar ferramentas sofisticadas em detrimento da simplicidade. O ponto central é reconhecer que existem desafios complexos que não são tratados com a devida profundidade e que, quando ignorados, podem levar a desperdícios de oportunidades e a decisões equivocadas. Ao mesmo tempo, a grande maioria dos projetos não exige modelos avançados, sendo possível aplicar soluções estatísticas mais simples e pragmáticas. O equilíbrio entre profundidade e praticidade é essencial para garantir que a estatística seja usada como um meio eficaz de tomada de decisão, e não como um fim em si mesma.
Conclusão
Os Black Belts sempre foram especialistas em estatística, mas a evolução de suas funções acabou afastando muitos deles dessa base técnica essencial. Em um mundo onde não faltam dados, mas sim interpretações corretas, é fundamental que esses profissionais voltem a estudar estatística e se atualizem sobre novas ferramentas e métodos analíticos. O futuro do Lean Seis Sigma depende da capacidade de seus praticantes em transformar dados em decisões inteligentes e impactantes.