A maioria dos treinamentos corporativos está criando a ilusão da competência: profissionais que sabem repetir conceitos, mas não conseguem aplicar nada quando o problema é real. Isso acontece porque o T&D permanece preso aos níveis básicos da Taxonomia de Bloom — lembrar e entender — enquanto o trabalho exige analisar, avaliar e criar. A busca por conteúdos “snackable”, a eliminação de esforço cognitivo e a confusão entre consumo e entrega tornam o aprendizado superficial. Para gerar competência verdadeira em 2026, empresas precisam abandonar treinamentos decorativos e adotar práticas que aumentem o domínio real: simulação, prática deliberada, macrolearning e avaliações que testem julgamento, não memória.
Principais pontos do artigo
- A ilusão da competência ocorre quando familiaridade é confundida com domínio.
- Treinamentos atuais ficam presos nos níveis básicos da Taxonomia de Bloom.
- Conteúdos curtos demais e aprendizado “fácil” reduzem retenção e habilidade real.
- Competências avançadas exigem simulação, prática, dificuldade e avaliação aplicada.
- T&D precisa migrar de consumo passivo para produção ativa e resolução de problemas.
Leia este artigo antes de montar seu plano de treinamento para 2026.
Imagine um ator de Hollywood estrelando um filme de ação de alto orçamento. Na tela, ele é letal: desmonta armas em segundos, neutraliza inimigos com precisão cirúrgica e traça estratégias de combate complexas. Ele parece saber exatamente o que está fazendo. Nós assistimos e acreditamos na competência dele.
Agora, tire esse ator do set de filmagem, remova o roteiro, a coreografia ensaiada e os dublês. Coloque-o em um campo de batalha real, com caos, decisões imprevisíveis e munição viva. A dura realidade é que aquele “soldado” da tela provavelmente não duraria 15 minutos.
Ele possui a estética da competência, mas não a substância. Ele memorizou a coreografia (o que fazer quando o diretor grita “ação”), mas não desenvolveu o instinto tático (como decidir sob pressão).
No mundo corporativo, nossos departamentos de Treinamento & Desenvolvimento (T&D) estão, muitas vezes, formando atores, e não soldados. Estamos criando uma força de trabalho que sofre da Ilusão da Competência.
O Fenômeno da “Fluência Ilusória”
A ilusão da competência ocorre quando confundimos a facilidade de consumir uma informação com o domínio sobre ela.
Quando um colaborador assiste a uma série de vídeos curtos sobre “Resolução de Problemas” ou “Metodologia Ágil”, o conteúdo flui bem. Ele entende as palavras, a lógica faz sentido e ele sente que aprendeu. O cérebro dele registra aquela informação como “familiar”.
No entanto, familiaridade (reconhecimento) é muito diferente de domínio (evocação e aplicação). No dia seguinte, quando um problema real e desestruturado aparece, ele trava. Ele sabe o nome da ferramenta, mas não sabe usá-la sem o “roteiro”.
O Diagnóstico via Taxonomia de Bloom
Para entender onde o T&D erra, precisamos revisitar a Taxonomia de Bloom. Esta pirâmide classifica os níveis de aprendizado, da base (mais simples) ao topo (mais complexo).
O abismo da ilusão acontece entre os níveis inferiores e os superiores:
A Base (Lembrar e Entender):
É aqui que a maioria dos treinamentos corporativos modernos vive. Vídeos, leituras e quizzes de múltipla escolha testam se você lembra dos termos. O “ator” do nosso exemplo vive aqui: ele lembra onde ficar e entende a cena.
O Topo (Analisar, Avaliar e Criar):
É aqui que a vida real acontece. Diagnosticar a causa raiz de uma falha na produção, avaliar se uma fusão de empresas vale a pena ou criar um novo processo do zero. Isso exige julgamento, adaptação e gestão de ambiguidade.
O erro estrutural do T&D é usar ferramentas da base (Microlearning passivo, palestras) esperando resultados do topo (Inovação, Resolução de Problemas Complexos).
Os 3 Principais Erros em T&D
- A Fetichização do Conteúdo “Snackable”
Na ânsia de engajar a geração TikTok, fragmentamos o conhecimento em pílulas minúsculas. O problema é que competências complexas exigem contexto. Ao transformar um curso de gestão de projetos em 50 dicas de 1 minuto, removemos a interconectividade necessária para o pensamento sistêmico. Criamos pessoas que sabem “dicas”, mas não sabem “pensar”. - Eliminação do Atrito (Dificuldades Desejáveis)
Queremos que a experiência do usuário (UX) de aprendizado seja fluida, sem fricção. Porém, a ciência cognitiva nos diz que aprender dói. Para reter conhecimento e subir na pirâmide de Bloom, o cérebro precisa de “Dificuldades Desejáveis” (termo de Robert Bjork). Se o treinamento é fácil demais, o esquecimento é rápido demais. Sem esforço cognitivo, não há neuroplasticidade duradoura. - Confundir Consumo com Entrega
Medimos o sucesso do treinamento por “horas assistidas” ou “conclusão de cursos”. Isso é métrica de vaidade. Assistir a um vídeo é um ato passivo. A competência só nasce na produção: escrever, projetar, simular, errar e corrigir.
Caminhos para a Realidade: Do Set de Filmagem para o Campo
Menos Consumo, Mais Simulação:
Em vez de apenas explicar o que é um DMAIC, coloque o aluno em um cenário simulado onde ele recebe dados “sujos” e precisa limpar, analisar e propor uma solução, correndo o risco de “errar” em um ambiente seguro.
Macrolearning para Hard Skills:
Aceite que certos temas não cabem em 5 minutos. Retome estudos de caso densos, projetos de longo prazo e mentorias. A profundidade exige tempo.
Avaliação de Nível Superior:
Pare de testar memória (“O que significa a sigla X?”). Comece a testar julgamento (“Dada a situação X e a restrição Y, qual a melhor abordagem e por quê?”).
Não precisamos de mais atores que sabem decorar o roteiro da excelência operacional. Precisamos de profissionais que saibam improvisar e resolver quando o roteiro não funciona. E isso não se aprende assistindo; aprende-se fazendo.